Tomar um copo de leite com um pedaço de pão com manteiga pela manhã faz parte da rotina de muitos brasileiros. Já para quem sofre de alergia alimentar, isso pode significar uma ameaça perigosa. Este é o caso da empresária Sandra Matunoshita, de 33 anos, que descobriu, já adulta, que era alérgica a leite de vaca. “Sempre sofri muito com crises respiratórias. Usava bombinhas para tratar a bronquite asmática, spray nasal para desentupir o nariz, por causa da rinite, e pomadas com corticóide para suavizar as alergias de pele. Aos 24 anos, descobri que o leite era o culpado”, relembra Sandra, que parou de consumir o alimento e viu as crises diárias desaparecerem.
Estima-se que 8% dos brasileiros sejam alérgicos a algum tipo de alimento. De acordo com um estudo norte-americano, o leite de vaca, o ovo, a soja, o amendoim, as nozes, o trigo, os peixes e os mariscos são os responsáveis por 90% dos casos de hipersensibilidade alimentar. “A alergia é resultado de algum problema no reconhecimento do alimento pelo nosso organismo. É uma resposta imunológica instantânea”, explica Ariana Yang, responsável pelo ambulatório de alergia alimentar do Hospital das Clínicas de São Paulo e diretora da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (Asbai). Ainda segundo a especialista, o tratamento básico é a restrição total do que nos agride. “O alérgico precisa estar sempre atento para não ter qualquer contato com o alimento em questão”, resume.
As crianças são as mais afetadas por ainda terem o organismo bem frágil. Entretanto, em cerca de 80% dos casos a doença desaparece até os 5 anos de idade, quando o sistema imunológico dos pequenos torna-se mais forte e reconhece melhor os alimentos. Segundo estudos, o leite materno é capaz de prevenir alergias na infância.
Sandra conta que às vezes consome alguns derivados do leite, mesmo sofrendo com os sintomas. ”Por descobrir tardiamente, aprendi a conviver com as dores. Quando como fora, até consumo alimentos que têm leite em sua composição para facilitar, mas sei que isso é errado, já que quando fico livre do leite e dos derivados percebo uma melhora assustadora na minha qualidade de vida”, admite ela, que, diante da falta de opções, decidiu abrir uma empresa especializada em produtos para alérgicos.
Apesar de todos os sintomas descritos pela empresária, o caso dela é considerado brando quando comparado ao da norte-americana Sloane Miller, que tem alergia severa a nozes, castanhas e salmão, além de reagir mal também a berinjela, melão, capim-limão e algumas frutas tropicais. Em uma ocasião, ela passou muito mal depois de beijar o namorado que tinha comido castanha-de-caju horas antes de encontrá-la. “Ele me beijou e eu comecei a sentir muita coceira e dificuldade para respirar. Fiquei com o rosto inchado e cheio de bolinhas vermelhas. Ele se sentiu culpado e me contou que como não sabia que íamos sair naquela noite, tinha comido um saquinho de castanha-de-caju. Meu médico confirmou que resíduos de castanha na barba dele eram a provável causa da minha crise”, relembra a autora do livro Allergic Girl: Adventures In Living Well With Food Allergies (“Garota alérgica: as aventuras de viver bem com alergias alimentares”, em português).
Para os especialistas, nos casos mais graves, como o de Sloane, a pessoa não pode ter nenhum contato com a substância, e esse controle precisa ser muito rigoroso, pois o risco de morte é alto. “Nos casos mais graves, o paciente precisa levar sempre consigo uma seringa autoinjetável com adrenalina, que deve ser aplicada após o contato acidental com a substância”, afirma a alergista Ariana. A médica conta ainda que uma de suas pacientes passou em frente a uma lanchonete, onde estavam fritando um ovo. Ela passou muito mal, e ficou com falta de ar. “O organismo dela não suportava nem mesmo ter contato com a proteína que ficava no ar. Para ela, respirar era o mesmo que comer o ovo”, diz a especialista.
Sloane, hoje uma especialista no assunto, também mantém um blog desde 2006, onde divide sua experiência e tudo o que aprendeu sobre viver bem mesmo com alergias. “Dou dicas de como sobreviver a jantares, viagens e namoros”, brinca. “O retorno tem sido incrível, por isso tratei de escrever o livro. Os alérgicos precisam de muita informação. Se você tem alergias alimentares, entender suas necessidades e construir relações de apoio é muito importante para viver uma vida segura e feliz”, completa a escritora alérgica.
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos alérgicos é decifrar os rótulos dos alimentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária exige que os fabricantes coloquem nas embalagens todos os ingredientes, mas alguns alimentos podem aparecer com outros nomes, o que dificulta a identificação. O leite, por exemplo, pode estar no rótulo como caseína, e o ovo
como albumina.
Segundo os médicos, o número de pessoas com alergias alimentares cresce no mundo. “Não há uma só causa. Diversos motivos estão envolvidos, como mudanças no nosso padrão alimentar e nos estímulos imunológicos do nosso organismo, e a alteração na acidez do estômago, por conta do uso rotineiro de medicamentos para tratar doenças gastrointestinais”, diz Ariana.
Os pacientes com alergias extremas começaram recentemente a receber um tratamento conhecido como dessensibilização, que promete tornar o alérgico tolerante a determinado alimento. “O tratamento consiste em oferecer a substância que causa alergia em quantidade bem pequena, de forma repetida e progressiva, como se estivesse ensinando o organismo a reconhecer aquele alimento”, diz Ariana. Hoje, o procedimento pode ser feito com leite, trigo, soja e ovo. Apesar dos bons resultados, ela não fala em cura. “Os pacientes que passam por esse tratamento estão com a doença controlada e sem risco de reações graves, desde que mantenham o consumo da substância diariamente. Se pararem, não sabemos ainda o que pode ocorrer”, alerta .