quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A nova guerra às alergias (Revista Época)

Ultimamente, tem se falado muito em alergia alimentar na mídia. Uma séria de reportagens foi feita pelo Fantástico e com isso, outros meios de comunicação começaram a voltar sua atenção para este tema tão importante e tão pouco comentado. Acredito que isso seja um grande passo para nós, alérgicos!
Segue abaixo a reportagem feita pela Revista Época.
Abraços,
Sandra Matunoshita - SOS Alergia


A nova guerra às alergias
Fonte: Revista Época


As armas da medicina para combater o crescimento do número de casos de reações graves a alimentos

Dennise Passos de Oliveira não tinha como saber, mas a geleia de mocotó que dava ao filho Luiz Guilherme, de 6 meses, era a causa, e não a solução, para as cólicas e os vômitos do bebê. Ao entrar em seu organismo, uma proteína do leite contido na geleia provocava uma reação semelhante à do sistema imune quando atacado por vírus. Alimentos comuns como arroz, espinafre, mandioquinha e frango também causavam vômito. Às vezes, só de sentir cheiro de comida Luiz Guilherme começava a passar mal. O menino perdia peso, crescia abaixo da média e teve inchaço no fígado e no baço. Por fim, a gastropediatra Maria Helena Simões identificou a razão: uma grave alergia. Seu caso, embora raro, ilustra o crescente problema das alergias múltiplas, para o qual só agora a medicina começa a encontrar explicações.

A médica mandou suspender praticamente todos os alimentos sólidos e receitou para Luiz Guilherme uma fórmula especial, com proteínas já “digeridas”, para evitar novas reações alérgicas. Hoje com 2 anos, Luiz Guilherme é um menino alegre e calmo, que passa o dia brincando com um macaquinho de pelúcia. Um ano e meio depois do início do tratamento, além da fórmula especial, ele já pode comer quiabo, maxixe, abóbora, macarrão de sêmola, carne de carneiro e está se aventurando pelas frutas. Teve reações a banana, ameixa e pera, mas está experimentando abacate e mamão.

Esse caso, ainda que extremo, não é totalmente estranho aos ouvidos de pais e mães. Quase todos já ouviram falar, dentro do círculo de amizades, de histórias de crianças com graves alergias ou intolerâncias a um ou mais alimentos, como numa espécie de pandemia silenciosa. O aumento do número de casos provavelmente se deve em parte a uma melhora nos diagnósticos, o que não o torna menos alarmante. Segundo o dado mais recente, de 2007, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos, o aumento foi de 18% em uma década. A alta mais significativa foi na faixa de 0 a 5 anos de idade, fase da vida em que o sistema imune está mais vulnerável.

No mundo inteiro, alergias se tornaram uma verdadeira paranoia. Na Austrália, o menino Kaleb Bussenschutt, de 5 anos, se alimenta por sonda e pode apenas chupar gelo. Nos Estados Unidos, algumas escolas baniram do recreio os lanchinhos com amendoim e derivados. Recentemente, a queda de um simples amendoim no assoalho de um ônibus escolar gerou a evacuação e a descontaminação do veí­culo. Também nos Estados Unidos, foi realizado em agosto o primeiro jogo de beisebol “peanut-free” (ou seja, livre de amendoim: comer amendoins e derivados em estádios de beisebol faz parte da cultura americana) apenas para que um menino, Kyle Graddy, de 9 anos, alérgico à semente, pudesse assistir ao vivo a seu esporte favorito.

Exageros à parte, é fato que se tornou mais comum o diagnóstico de alergias múltiplas numa mesma criança. “Há 25 anos, quando comecei a trabalhar com isso, os testes sanguíneos da maioria das crianças apontavam alergia a apenas um tipo de alimento”, diz Hugh Sampson, um dos maiores especialistas americanos em alergias infantis. “Agora o incomum é encontrar um exame em que só haja reação a um tipo de comida.” Em seu dia a dia na Faculdade de Medicina Mount Sinai, em Nova York, onde dirige o serviço de alergia e imunoterapia do Departamento de Pediatria, Hugh Sampson dedica-se a estudar uma cura para o problema. Ele é um otimista: acredita que, em menos de uma década, uma bateria de novas armas estará disponível para o público. Essa não é a única novidade na guerra contemporânea contra as alergias alimentares. Novos métodos de diagnóstico estão prestes a entrar no mercado, inclusive no Brasil, e a ciência a cada dia entende um pouco mais os mecanismos que levam nosso corpo a reagir contra alimentos que deveriam nos fazer bem, e, por algum motivo, põem em risco nossa saúde.

O QUE JA SE SABE?

ACESSE E LINK E SAIBA AS RESPOSTAS ÀS DÚVIDAS MAIS COMUNS SOBRE ALERGIA E INTOLERANCIA :

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI90398-15257-1,00-A+NOVA+GUERRA+AS+ALERGIAS.html

Uma das chaves para encontrar uma cura para as alergias é a pesquisa genética. A ciência ainda não é capaz de responder por que, numa mesma família, algumas pessoas têm mais ou menos predisposição ao problema. Luiz Guilherme, o menino que abre esta reportagem, tem uma irmã mais velha, Emanuelly, de 6 anos, que não sofre de alergia alimentar, mas tem rinite, uma doença alérgica. A mãe, Dennise, tem tosse alérgica, e o pai, Fernando, diz sofrer alterações na pele quando ingere camarão e lagosta.

Os pesquisadores acreditam que as alterações do ambiente onde vivemos têm um papel fundamental no desenvolvimento das alergias. A chamada “hipótese da higiene” diz que, no ambiente urbano moderno, quase asséptico, diminui a exposição a micro-organismos como vermes, bactérias e vírus e, consequentemente, caem as infecções. A relação entre a higiene e a alergia não foi, contudo, confirmada por estudos epidemiológicos no Brasil. Até agora, as pesquisas não mostraram uma diferença na taxa de casos de doenças alérgicas nas grandes cidades e em populações de vilarejos do interior.

Uma dificuldade de qualquer estudo é definir quem realmente é alérgico. De acordo com diversas pesquisas, 20% a 25% das pessoas acreditam ter algum tipo de alergia. Quando um médico faz o diagnóstico, apenas 1% a 2% dos adultos e 6% a 8% das crianças de fato têm o problema. Antes de concluir que se tem uma alergia, portanto, é preciso excluir outras hipóteses. Foi o caso da nutricionista Leticia Garcia, de 29 anos, que mora em São Paulo. Há quatro anos, depois de repetidos episódios de diarreia e constipação, Leticia recebeu o diagnóstico de “síndrome do intestino irritável”, uma condição que teria fundo emocional. No ano passado, ela voltou a ter o problema. Desta vez, um teste sanguíneo apontou intolerância à lactose. Letícia tirou leite e derivados da dieta. Não adiantou. Ela procurou uma terceira opinião. O médico desconfiou de doença celíaca – aquela em que o intestino do paciente não absorve alimentos com glúten. Uma biópsia confirmou a suspeita. A intolerância à lactose, na verdade, era um efeito secundário das crises de diarreia. Agora, Leticia luta para tirar pães, massas e farinhas da dieta. “Desde o diagnóstico, não tive mais crises”, diz Leticia.

Assim como nos casos de intolerância, identificar as alergias pode ser difícil. Atualmente, usam-se testes cutâneos – em que o alérgeno é colocado em contato com a pele – ou de sangue. Neste último, chamado Rast, os cientistas medem a quantidade dos anticorpos IgE para certos alimentos e medicamentos. Mas ter altas doses de IgE específico para o camarão, por exemplo, não significa necessariamente alergia a camarão: são os casos chamados de “falsos-positivos”. Eles são comuns quando há alergias cruzadas. Uma nova técnica, chamada “microarray”, que usa quantidades menores de sangue para uma quantidade maior de alérgenos, espera a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser usada no Brasil.

A evolução nas técnicas de diagnóstico pode trazer esperanças para casos graves como o de Marina, uma menina de Brasília hoje com 2 anos e 5 meses. Aos 20 dias de idade, Marina chorava bastante, dormia pouco e regurgitava muito. Mãe pela primeira vez, a servidora pública federal Rilane Santos de Sousa ficou preocupada e levou o bebê ao médico. O primeiro diagnóstico foi refluxo gastroesofágico, um problema comum em crianças pequenas. “O refluxo pode ter uma causa fisiológica, mas também pode ser causado por uma alergia”, afirma o gastropediatra Ulysses Fagundes Neto, professor do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp. Ao ingerir um alimento e ter cólica, a criança pode chorar muito, o que a leva a regurgitar. Outro possível sintoma é diarreia com sangue, que pode ser confundida com uma infecção intestinal. Aos 2 meses, a menina deixou de ganhar peso, e Elisa de Carvalho, médica especializada em gastroenterologia pediátrica do Hospital de Base do Distrito Federal, suspeitou de um caso de alergia a leite. Para evitar expor a criança às proteínas do leite e da soja pelo leite materno, Elisa excluiu os alimentos da dieta da mãe. Mesmo assim, Marina não apresentou melhora. Rilane teve, então, de deixar de amamentar. Passou a dar à filha uma dieta especial, com fórmula de proteína hidrolisada – mais fácil de digerir. Deu certo, mas uma tentativa de reintroduzir o leite na dieta da menina fracassou. Marina foi internada e passou a receber por sonda uma fórmula elementar, hipoalergênica, só com aminoácidos, por meio de uma sonda. “Não dormíamos direito vigiando para que ela não tirasse o aparelho”, diz Rilane. Depois de 60 dias de tratamento, a própria menina rejeitou a sonda. Durante alguns meses, alimentou-se exclusivamente com a fórmula. Aos poucos, e com acompanhamento médico, Marina foi começando a descobrir outros sabores sem choro. Hoje, ela pode provar carne de codorna, peru e frango, a maioria dos legumes, pera e mamão. A mãe anota tudo o que a filha ingere. Com 11 quilos, peso normal para sua idade, Marina deverá deixar de usar a fórmula de aminoácidos dentro de alguns meses.

Casos assim conduzem à inevitável pergunta: é possível prevenir alergias? Segundo as pesquisas mais recentes, não adianta evitar dar alimentos com potencial alergênico para os bebês com mais de 6 meses. “Temos medo das dietas não alergênicas, porque elas não estimulam o desenvolvimento da tolerância nas crianças”, diz Roseli Sarni, pediatra e presidente do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Só existe consenso em torno de um único fator preventivo: a amamentação. Há evidências científicas de que o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade traz benefícios para as crianças.

O mecanismo de desenvolvimento de tolerância batizado “imunoterapia oral” é uma das linhas mais promissoras para o tratamento da alergia alimentar. A técnica consiste em ministrar doses crescentes do alérgeno ao paciente para “acostumar” o sistema imune à proteína. No Brasil, o grupo do pesquisador Fabio Morato Castro, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tem tido resultados animadores com essa técnica no tratamento de alergias a ovo e leite, bastante comuns por aqui. Na Universidade Duke, nos Estados Unidos, o pediatra Wesley Burks estuda um grupo de 50 crianças alérgicas a amendoim. A criança vai ao hospital, recebe a dose e é acompanhada pela equipe. Se tudo correr bem depois da ingestão, a criança vai para casa e continua tomando a mesma dose por duas semanas. As doses são aumentadas progressivamente. Depois de um ano, 85% das crianças conseguem comer 15 amendoins sem apresentar nenhuma reação. Agora, Burks quer descobrir se esse método tem resultados permanentes. “Ainda vamos demorar três a cinco anos para chegar a um tratamento seguro”, diz Burks.

Outra possibilidade de tratamento é usar proteínas geneticamente modificadas para induzir essa tolerância. Elas seriam capazes de produzir essa tolerância com menor risco de reações.

Um exemplo das possibilidades dos novos tratamentos pode ser encontrado na família de Ana Rita Keller, uma arquiteta que mora em São Paulo. Aos 4 meses de vida, seus filhos gêmeos, Pedro e Juliano, experimentaram pela primeira vez uma fórmula infantil – que contém proteína do leite – e tiveram uma forte reação alérgica. Foram internados de urgência e tiveram de tomar doses de adrenalina para evitar um choque anafilático. Passado o susto, Ana Rita ficou sabendo que os dois filhos tinham alergia ao leite e a todos os seus derivados. O problema se tornou uma fonte de preocupação permanente. “Um dia, quando eles tinham uns 8 meses, eu tinha acabado de comer um iogurte e o Juliano quis brincar com a colher”, lembra Ana Rita. “Dei e ele começou a ficar inchado e a ter bolinhas na boca. Aprendi que, mesmo que a colher pareça limpa, traços do alimento podem provocar a reação.” Hoje, os meninos estão prestes a completar 6 anos. As reações de Pedro foram se abrandando. Juliano continua a exigir atenção constante.

Depois do episódio da colher, Ana Rita redobrou o cuidado, mas é difícil eliminar todos os riscos. “Um dia ele teve alergia depois de beijar minha mãe, que tinha comido um sorvete de creme duas horas antes”, afirma Ana Rita. Ela decidiu que, aos 4 anos, Juliano e Pedro já poderiam entrar na escola. Nessa idade, eles já sabiam que não poderiam pegar a comida dos amiguinhos, mas Juliano ainda corria o risco de um contato acidental. “Tive uma reunião com a coordenadora para explicar o problema. Até hoje não houve nenhum incidente”, diz a mãe. “Os alunos da classe também sabem da alergia, e todos lavam as mãos e a boca depois do recreio.” Na casa da família, para facilitar os cuidados, todos comem receitas preparadas sem leite, com soja ou leite de coco, e até o pai, Dominik, que é suíço, abriu mão dos queijos. A expectativa, porém, é que a rotina da família se normalize dentro de alguns anos, com o gradativo aumento da tolerância de Juliano à proteína do leite, como aconteceu com o irmão. Entender os mecanismos que levam o corpo a superar alergias alimentares é essencial para pôr fim ao drama de milhões de famílias como os Kellers.

Estima-se que dois terços da população mundial adulta de hoje tenham algum grau de intolerância à lactose, tipo de açúcar presente no leite. Isso quer dizer que mais de 4,5 bilhões de pessoas têm uma deficiência na produção de lactase, a enzima para a digestão do leite, e sentem algum tipo de desconforto – os mais comuns são dores abdominais, gases e diarreia – ao ingerir a bebida ou seus derivados. Inexplicavelmente, na Europa, o problema afeta uma porcentagem bem menor da população: 25%, em média. Isso se deve a uma única mutação no DNA. Mas por que os europeus têm o gene da tolerância a leite em maior quantidade que asiáticos e africanos?

Uma nova pesquisa liderada por Mark Thomas, pesquisador do University College de Londres, pode ter encontrado a explicação. Thomas é especialista em evolução genética. Ele concluiu que a mutação responsável pela tolerância ao leite ocorreu há cerca de 7.500 anos na região central dos Bálcãs, onde hoje ficam a Romênia e a Bulgária. Para chegar a essa conclusão, a equipe de Thomas alimentou um computador com dados sobre o genoma dos povos europeus e o histórico de domesticação de animais. O estudo foi publicado na semana passada na revista PLoS Computational Biology.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI90400-15257,00-O+GENE+QUE+NOS+DEU+O+LEITE.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário